A loucura da sorte.do.dia, para mim, está no fato de considerar o coração algo à priori, dizendo que ele é mais sábio que a razão. Pelo lado morfológico da frase, poderia haver certo nexo.
Por certo, o "sábio" é aquele que discerne baseado em sua vivência, em sua experiência de vida. Coisas que acabam conectadas com o sentimento. Ou com o feeling, para os mais modernosos. Sábio, tem como raíz sapidus, que em latim significa "que tem sabor", "saboroso". Origem primária essa, mas se levarmos em conta a gênese da palavra, e como disse Barthes, a energia flutuante palavra, esta primeira significação é substâncial. Então, o coraçãozinho seria aquele que tem sabor. De fato. As escolhas do coração tendem ao saboroso anseio das "escolhas corretas".
Farei o que meu coração mandar, é praticamente o mesmo que "Deus me ajude". Ou seja, que essa resolução seja boa.ótima.favorável e traga luz.paz.amor.serenidade. A escolha pelo coração poderia ser (e aqui o delírio terá seu auge, desculpem-me) uma escolha platônica por excelência. Pós Platão, outro cara falou de escolhas. Esse cara se chamava Aristóteles e era um bom sujeito.
Para Aristóteles as escolhas não dependem de algo intuitivo, ou seja, condena-se de vez o Deus Ex-Machina e as emergenciais saídas pela tangente. Aquilo que existe é porque, de certa forma, o homem sempre soube que existiu. A pré-consciência está lá, entretanto, está no homem e não em algo fora dele. Não precisamos ser muitos espertinhos para supor que Aristóteles não acreditava nessa coisa do coração.que.sabe.
Pois prá que serve um coração se temos a razão? Razão. Do latim ratio, na sua mais remota origem significa cálculo, conta, registro; som; medida, proporção; interesse, empenho; causa; disposição, projeto; método, modo de fazer; sistema; doutrina; inteligência, siso etc. Mas isso tudo, que está no Houaiss, pode ser reduzido a uma sentença simples: razão é o fazer baseado em pré-conhecimento. Okay. Postos os conceitos, lá vamos nós de volta ao oráculo: "O coração é mais sábio do que a razão." Tá. O coração é sentimento, sentimento está ligado a percepção, que em pessoas com muita vivência viram sabedoria. Então, a frase estaria correta. O coração, baseado no presuposto que está calcado no conhecimento exterior (o nosso "que.Deus.quiser") é mais sábio que a razão, pois ela só consegue discernir em base de pré-conhecimento reconhecido por concretude. Acontece que (não, o orkut não me ganhou). A sorte do dia não faz a menor idéia de morfologia. Até porque é apenas uma tradução porca do inglês.
O significado semântico da frase é: "o coração é mais esperto, conhece mais e por isso tem mais condições de discernir sobre a vida que a razão, uma coisa tão fria". Mentira. O coração não tem condição de escolher nada melhor que a razão, pois como vimos, ele está baseado em um conhecimento exterior, naquilo que não é realidade para o homem racional (talvez a merda esteja aí, colocar as duas coisas na mesma sentença). O coração só poderia discernir sobre os atos no mundo platônico. Entretanto, vivemos em mundo abundantemente Aristotélico (e não falo de arte ou ideologias pseudo-adolescentes, falo de vida.de.todo.dia., porque idealismo é bonitinho em livro). A razão, logo, vence. As escolhas corretas (correto e não "melhor que") são aquelas baseadas em pré-conhecimento, o que me faz capaz de julgar a opção menos duvidosa.
Mas tá. E na prática? Antes que me chamem de chata.de.coração.de.gelo: Na prática, vivemos para negar o triunfo aristotélico e tentar alcançar as tais metades das laranjas de Platão. Até porque, em sonho tudo é mais divertido.