No alpendre da janela, um casal de joaninhas se despede. O joaninho sobe em direção ao telhado, a usina de joaninhas, enquanto a joaninha ladeia a floreira e junta-se a um grupo de esposas. Em fila, parecem fazer da sombra da cortina ponte ao jardim, supermercado de joaninhas. Não deve fazer muito tempo, pouco antes, passei café. Deves estar passando café, tu dirias (ou terias dito), como aquele moço do conto (aquele que terminei e não tive coragem para). Minutos antes, passei café, assim feito o moço do conto passara o café com os seus amorosos dedos brancos. (Os dedos do moço seguram o filtro, acomodam-no, circundam seu relevo, encaixando-o no coador. Os meus dedos sentem frígido o metal da colher, o estufo do pó, a curta colheita entre a caixa e a cafeteira). Penso que de alguma forma posso te dar bom dia enquanto duas joaninhas se despedem no alpendre da janela. Preocupadas em seguir com suas rotinas de joaninhas, uma sobe buscando as folhas que caem do salso chorão, enquanto a outra desce atrás da sorte nos pés de bergamotas que ainda me sorri. Em uma de minhas mãos, transpira uma xícara de café, que tu dirias que passei agora a pouco, como aquele moço (ou escreverias para que depois eu encontrasse bem mais tarde, entrando para segurança das coisas que nunca serão esquecidas). São amorosos os dedos que circundam a borda da xícara, a gema do dedo pressente o vapor. Penso que de alguma forma posso te dar bom dia, enquanto o indicador desliza pelo polegar, reconhecendo pouco a pouco que aquele não é um vapor suficiente para esquentar. Penso que, de alguma forma, te dei bom dia, enquanto olho para o café que passei a pouco e vejo esse vapor que é suficiente para que assim seja chamado e tenha, como todas as coisas, um nome.
26.1.09
20.1.09
Tenho 3 crônicas prontas.
Cada texto, palavra por palavra, letra por letra, me faz ter uma espécie de inércia mental, êxtase.
Coisas para mais além.
Fiquei bom tempo aquela foto. Não a foto-foto, mas os elementos que fazem ela ser assim, foto. Essa tentativa pós-moderna de sermos campesinos e ainda desfrutarmos do final de tarde no parque, do lago-por-do-sol-dormidelas-na-grama, dessa coisa curiosa, de ansiar pelo passeio ao ar livre, e por isso apenas sentirmos uma liberdade inventada entre os muros do complexo parque cravado entre algumas indústrias, do uso que fazemos de uma só prerrogativa: somos filhos da tecnologia, nascemos junto com os bebês de proveta, por isso não saimos de casa sem o celular. Então, nós, a classe média da pós-modernidade brincando de nossos pais, mas sem nunca, em nenhum momento, abrirmos mão dos toques polifônicos. Nós, que se somos filhos de uma geração "in vitro" abrimos as portas para uma "virtual generation", resgatando o que ainda sobra de verde em cada pixel da cybershoot.
Tô com medo. Tô quieta e com medo.
P.S.: Pensamento positivo por alguém que eu amo bem grande e em escala crescente.
8.1.09
Natyara,
Tu és um bom exemplo de como o muito bom pode ficar melhor.
Eu acho que tu domina sim, e muito bem. Acho que tu precisa apenas de um descanso (sim, porque realmente cansa pegar esses corcéis soltos pelo mundo e fazer deles alazões ensinadinhos que fazem tudo o que a gente manda) entre um e outro. Mas não pare. São tantos os cavalos, são tão poucos os bons domadores.
Eu acho que tu domina sim, e muito bem. Acho que tu precisa apenas de um descanso (sim, porque realmente cansa pegar esses corcéis soltos pelo mundo e fazer deles alazões ensinadinhos que fazem tudo o que a gente manda) entre um e outro. Mas não pare. São tantos os cavalos, são tão poucos os bons domadores.
Então que me falta disciplina, creio, para escrever principalmente. É como se existisse um deserto entre eu e o texto.
Não que falte assunto, não que não tenha algo para ser escrito. Isso é o pior, tem. Tenho três folhas esperando que minha mão se coce.
Tenho, que lembre, um conto que precisa retrabalhar para que se chegue em algum lugar.
Mas é como estar em frente ao deserto, e só de olhar aquela areia toda, aquele sol que escalda, aquela falta de água, vinga uma preguiça secular e eu acabo suspirando, abrindo um livro, virando páginas e páginas de desertos que outros já superaram.
Falta linguagem. Falta pegar na rédea da linguagem. Mas, sabe, essa tal linguagem é um animal prá lá de xucro: cabeceia, empina, pateia.
Imaginem, atravessar um deserto em cima de um bicho como esse.
Não sei se por causa dessa escassez de verbo, tenho tido sonhos estranhíssimos (mas nenhum digno de sair da matéria dos sonhos, antes que sugiram tal coisa).
Na noite passada eu tinha uma bicicleta, e andava para lá e para cá; uma bicicleta boa e forte. O bizarro era que os pneus não esvaziavam nunca: porque o sonho era sobre um sisteminha que eu estava desenvolvendo, uma caixa cheia de tubinhos (que eu enchia com uns liquidos coloridos) e que instalava no meio do guidão.
Dos tubos saiam canos, finos finos, até os pneus: era esse o mistério. Um jeito de NUNCA esvaziar os pneus.
Sonho feito metáfora incrível do desejo: uma bicicleta de linguagem, que nunca me deixe a pé.
4.1.09
Eu tenho sono e eu tenho sede e eu tenho saudade e eu queria te pegar pela mão e te contar duas ou três histórias bobas que me aconteceram na vida enquanto tu me conta uma ou três experiências bizarras que te ocorreram na vida. E eu queria te fazer um carinho nos cabelos, enquanto te dou dois ou quatro beijos no pescoço e tu apenas pensa cinco ou sete vezes que alí está bom e mesmo que seja uma coisa assim, quase que não deveria ser, não pretende impedir que. Desse jeito, eu sempre em par, e dessa forma tu que é sempre ímpar e virada em surpresas que me pegam sem jeito e me pegam despercebida depois de um bom tempo sem pensar em.
Luísa morreu.
Luísa morreu. Porque chegou a sua hora, porque comeu peixe estragado, porque andou em alta velocidade sem cinto de segurança. Luísa morreu por tantas coisas e também por outras poucas coisas, dessas pequenas que a gente nem sequer deixa perceber. Luísa morreu e morreu no verão e parece ser um tanto ruim morrer no verão. Luísa morreu sem aviso prévio, já andava agonizando é bem verdade, mas todos achavam que ela superaria, que estava vencendo, que seria brasileira e por isso daria a volta por cima. Contra todas as expectativas, Luísa morreu. Luísa morreu mesmo. Ela não partiu, ela não se foi, ela não ascendeu aos céus. Luísa, simplesmente, morreu. Assim mesmo, bem simplinho e banal. Um dia deixou de respirar e porque o coração precisa de oxigênio para bater e porque as pessoas precisam do coração para viver, ela morreu. O coração de Luísa um dia não bateu, não avisou que não mais bateria, do tipo acelerar até estourar ou ir findando até. Simplesmente, no momento que Luísa decidiu que daquele ar não respiraria, ele resolveu que sem aquele ar não bateria. Luísa morreu e deixou em seu lugar Jacilde. O coração de Jacilde, ao contrário do coração de Luísa, alimenta-se de qualquer vento, do mais tenro e terno ao mais comum e sem sal. Jacilde vive porque não sabe que pode morrer, então para ela é um tal de tanto faz. nesse tal de tanto faz, no lugar preferido de Jacilde, muitas coisas são esquisitas e com ares que Luísa nunca respiraria. Como está morta e simplesmente deixou a outra por aí, sem demais, Luísa não pode opinar. Então é Jacilde que habita e que escolhe e é ela quem dita e quem ousa ser. Ousa ser, porque Jacilde não é. Nunca será. Jacilde, de um jeito ou de outro, nunca passará do arremedo daquilo que Luísa não teve tempo de. E um dia Jacilde também morrerá. Porque chegará a sua hora, porque comerá peixe estragado, porque andará em alta velocidade sem cinto de segurança.
2.1.09
Não consigo escrever. Falta-me chá de hortelã.
Consegui construir uma boa frase hoje, e deveria, quem sabe, dar-me por satisfeita.
.
É solitário esse caminho que escolhi, mudo e sem beijos estalados no pescoço. É solitário esse caminho que me agarra pelos tornozelos e por ser assim, só, tenho que eu mesma buscar copos de água. É vazio esse quarto, na trilha que piquei. Mas por ser assim, amor selvagem, brota entre todas as pedras um colorido febril de petálas raras, flores carnívoras, livrando-me dos insetos, árvores de frutos, sumo doce onde lambuzo os dedos. Um espaço quase oco, na verdade que me parece simples. Uma espaço que reflete em eco. E se existe o eco, se existe essa resposta, e se é essa resposta tão igual, inexoravelmente igual, refletida, convergida em espelhos e nos raios dos espelhos e na luz dos espelhos e nos cristais nobres, a minha vida de espelhos, e porque é um refletir e porque para refletir é óbvio que existe luz, e se há luz também existe cor. E são todas elas juntas, todas as cores juntas, nessa floresta quase tropical, o coração selvagem, os músculos revirados em cipós, um revirado. Uma gama infinita em sentido horário, reinando no tempo, círculo, sete cores, interminentes, as sete cores, caledoscópio que giro entre meus dedos, fecho e fixo, apenas no centro, gritando e a resposta vem em um eco - igual a minha pergunta é esse eco, tão igual, a mesma, vindo... vindo... vindo... até que. Um tanto só esse tempo que precipitei em meus dias. Buscando eu mesma mais um copo d´água, olhos contraídos no escuro do quarto, prevendo em um espaço curto o vidro entre as mãos, o líquido entre as mãos, tão pequenas, e daqui a pouco tempo ofertando à ti uma forma macia de matar a sede.