Tu sabes como é sentir-se estrangeiro em sua própria casa? Tu já teves essa sensação, esse gelado no estômago, essa consciência vazia do prolongar segundos e perder um ônibus? Incessante, vagando pela avenida, essa busca de um pretexto murcho. Um desvario de sentidos, sentindo o pescoço morno, os cabelos em suor. Tu já se sentiu cansado, pernas doendo, a necessidade física de repouso? Só o prazer pequeno de tirar os sapatos, sentir o chão frio do banheiro, a água batendo morna nas costas. E mesmo assim, enfrentando ruas escuras, passo rápido, uma quase luta contra a gravidade, porque ir a pé leva mais tempo que pegar um táxi. E se sente estrangeiro e sente que não conhece a língua e os costumes. E além de estrangeiro, é refugiado, é imigrante ilegal, é mal quisto. Tu chega em casa e as pessoas não olham para você. Elas não dizem porque não olham, tu até desconfia, mas elas não falam nada. Como um estrangeiro enfiado em um país repleto de bons maneirismos e politicamente correto. Nesse país onde seu pai, a sua mãe não olham. Aqueles que deveriam, porque alguém um dia falou que deveriam, ter intimidade, ter liberdade. Seu pai e a sua mãe acordando todos os dias, obrigados a passar pelo seu quarto todos os dias. Uma sentença, porque não, eles não olham. Vezenquando, viram de leve o pescoço, olham para o quarto como se estivesse vazio porém tu estás ali sentado na cadeira, mexendo em papéis, deitado na cama, lendo um livro. E no início você retribuía o olhar, esperança de pelo menos uma pergunta. Uma dúvida. Sei lá, um indício do que afinal não vai bem. Mas não, eles são tácitos e olham para a janela e olham para a tela colorida do monitor. E olham através de. Mas nunca para você. E talvez, no cansaço de quase carimbar um passaporte toda vez que abre a porta, acresça a vontade de sair gritando, arrumar um pretexto e sair gritando. Enfático, deixar esse ignorar insosso de lado, expelindo perdigotos, sujando espelhos. Mas passa. No não olhar a vontade vai esvaindo, correndo em um filete que não é de choro, porque você não pode chorar. Tu, estrangeiro nesse país que não permite choro, que não permite queixas.Chegando todos os dias nesse lugar onde não pode elevar a voz, onde sobrevive não sabe como porque diariamente uma emenda constitucional parece reinar. Tu não pode fazer cara feia. Não pode responder. Não pode ficar triste. Não pode silenciar também, porque o seu silêncio é falta grave nesse país de mudos.
E tu simplesmente não pode ir embora. Não. Tu estás preso, contraiu dívidas, faltou com a lei. E o pior não é pagar por faltas constitucionais. O pior é pagar pela essência de existir.
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[e nesse momento eu queria ainda te pertencer. E não digo estar contigo e não digo te ter, porque é nessa dor que eu mais precisaria te pertencer. Só para que me tomasse no colo. Um beijo nos lábios e teus olhos castanhos que entrariam nos meus olhos mais e mais escuros e eu saberia, ali, te pertencer. Deixando que me chamasse de nomes que só tu conhece, aconchegando minha pequenez junto a ti, junto a tua voz, ao teu cheiro. Porque é aqui, nesse momento onde mais dói que eu precisaria de que um pouquinho daquilo que sempre prometestes fizesse sentido]