Falar como se tinha tanto barulho quando você telefonou? Tua voz quase colada nos sons dos pássaros que gritavam desesperados nas pedras, é incrível como gritam os pássaros, alucinados no meio do dia, os gritos chegam como se fosse a voz de uma pessoa chamando, Margarida, o vento como se falassem dentro da minha cabeça, uma voz de duas mãos espalmadas em minha cabeça revirando meus cabelos, isso tudo enquanto você tentava me dizer o que mesmo, Margarida? Precisamos conversar, sempre precisamos, é assim, não é? É uma angústia e como sempre alguma coisa precisa ser dita, mesmo quando o sol queima as pontas das orelhas, esqueci o filtro solar na outra mochila e para cá não se pode trazer muita mochila, contei que se anda mais de meia hora por uma estrada horrível até chegar aqui, Margarida? Eu sei que precisamos, claro que sim, a estrada de areia, entende, areia da praia, tudo virado em areia, as ruas, as ruas também de areia, as casas amontoadas, crescendo nas dunas, logo de longe se vê isso tudo, no meio de uma savana absurda, eu já usei esse adjetivo, não usei? É que tudo anda meio assim, Margarida, como se o céu fosse cair agora, despencar como despencam as marquises nas calçadas, e o sol fosse sair rolando, um disco enorme e amarelo rolando pela areia em direção ao mar até se afogar inteiro nesse espaço absurdo que é o mar, principalmente quando chegamos perto das pedras, enormes o mar e as pedras, mas é bem antes que se pode ouvir os gritos dos pássaros, esses mesmos que você ouviu e perguntou onde eu estava, onde eu estava, Margarida, como se isso importasse, a distância sempre a distância, podemos medir em metros a necessidade que temos de, mas eu não podia lhe ouvir direito, você sabe, o vento é pior que uma língua insistente nos ouvidos, impossível ouvir direito, e fiquei com medo, no fundo fiquei com medo de simplesmente dizer;
ficar à vontade para ouvir sua voz, o eco da sua voz dentro de mim, feito as respostas insanas dos pássaros - porque pela primeira vez, Margarida, não tenho nada para.