25.8.09

Sem contigo,
Comigo...
Não consigo.

E se eu disser que nada mudou, adianta?

Coisas a meu respeito. Muitas coisas, nunca o tempo. Desde que abandonei o nascer de sol que acariciava a minha janela, o tempo se fez indecente. Teima em me espiar pelas frestas da mesma janela trancada, chega com as cartas por debaixo da porta, espalha o aroma de café anunciando a manhã que escolheu pra mim. Mas eu não quero o tempo no meu espaço. De dentro do meu quarto eu posso sair pelos campos cavalgando sonhos de garota marota, deixar o vento me despentear com as ilusões de ontem, as desilusões de amanhã, o vai-e-vem de acontecimentos desprendidos e abandonados no ar como bolhas que se não estouro, sopro. E meu ar é quente. Somente o ar me suspende dessa desordem macia e gorda que é a minha cama sem a angústia do tempo.
Nas manhãs de terças, quartas e sextas, costumava sonhar. Era como puxar uma meada de fio na cesta de novelos. Um lugarejo pendurado no sul da Itália, um vilarejo perdido, uma província construída nos degraus de pedras das montanhas, um canto no sul da Itália molhando suas pontas nas madeixas no mar mediterrâneo, enquanto assisto o sol embarcar em direção à Grécia, o sol da mesma cor da laranja que pesa em minha mão direita, enquanto que com a esqerda deslizo a lâmina da faca, amacio a carne rubra, descolo a casca, formo espiral em direção as pedras, ao mar, um parafuso, a lâmina persegue a si mesma, elíptica e delicada é quase um suplício o cuidado para não machucar a pele sensível. O sol é uma moeda de 100 liras e se escondendo atrás do mar. A alternância da luz modifica o ritmo da cena - aparece no fundo, muito fundo, ainda mais fundo, como se escrito em muro: uma cena é feita do ritmo de uma coisa que empurra a coisa que vem em seguida. O novo ritmo do cabo da faca modificou o rumo da lâmina, o espelho rasgando a carne rubra, o gomo exposto, a célula violada, o sumo sem outro lugar que não pingar nas pedras de uma cidade nos degraus do sul da Itália perdida suspensa no sol do mediterrâneo...

Sobre a arte de ser gordo (a).

Coisa boa é ser gordo.
Ser gordo te dá uma visão diferente do mundo. Ser gordo é ser feliz. O magro é infeliz, raquítico e inotável. Quando um gordo entra numa loja, todos o percebem e imediatamente vão ao seu encontro. Fato!
O magro se não solicita ser atendido, é capaz de entrar e sair sem dizer uma única palavra. Ah, o bom é ser gordo.
Só quem é gordo sabe como é está em nirvana .e.t.e.r.n.a.m.e.n.t.e. Infeliz daquele que sempre foi magricela, ou pior, era gordo e emagreceu!
Só as pessoas ao redor do gordo se importam porque ele está gordo, porque ele mesmo não está nem aí; o gordo só quer curtir a vida.
Já percebeu que quando há um parente, amigo ou pessoa próxima, que acabou (por felicidade, é claro) engordando, todos comentam: “Fulaninho, engordou quatro quilos depois que se separou de Cicraninha” ? Viu só? Quanta inveja...
Essas pessoas têm inveja dessa pobre criatura que só agora está descobrindo o que é ser feliz (fatidicamente quando deixou a Cicraninha, que, provavelmente, vivia reclamando que ele estava gordo, e isso , e aquilo... ). Ser gordo é fantástico. Ser gordo é praticamente uma dádiva de Deus. Ser gordo tem tantas vantagens que se eu fosse dizê-las todas aqui e já, isso não seria uma crônica (?) e sim uma enciclopédia. O gordo leva vantagem em tudo: ao dirigir, ao conversar, ao contar piadas, ao namorar (umas gordurinhas a mais fazem toda a diferença...). É evidente que ele leva algumas desvantagens, mas que são tão pequenas, mas tããão pequenas que, em termos de percentagem, não chegam ao zero virgula.alguma.coisa.
O gordo é uma pessoa sensacional, esplendorosa, audaciosa (por que não?). Infeliz do magro que nunca foi gordo, ou pior, que nunca desejou ser gordo, não sabe o que é a vida!
Vocês sabiam que o tecido adiposo (o que o gordo tem em excesso) protege o indivíduo de choques elétricos e mecânicos?!?
Ou seja: as chances de um gordo sobreviver a um acidente de moto (ou carro), por exemplo, é bem maior do que a de um magricela.
O gordo está sempre alegre. O magro é aquela pessoa sentimental, cheia de egoísmo e sarcasmo. Você já viu, por acaso, um gordo depressivo e sarcástico? Acho muito pouco provável, mas se sua resposta for sim, pode perguntar: ou essa pessoa nasceu magra, ou já foi magra e engordou, ou está pretendendo emagrecer. Tem que ser uma das três!
Você não vai ver um gordo que não nasceu magro, nunca esteve magro, e não pretende ficar magro, com tanto ódio e prepotência no seu coração.
Enfim, o gordo é o tipo de pessoa que deveria ser reverenciada, e por que não beatificada? Todas essas pessoas dizendo que o gordo está gordo demais, etecétera. O gordo não deve dá ouvidos para elas. Estão querendo te fazer um gordo infeliz, estão com tanta inveja e ódio desse mundo de medidas nanômicas inalcançáveis, que estão descontando no pobre do gordo. Se você for gordo(a), não caia nessa armadilha. Não se importe com o que os outros acham.
Seja feliz sendo apenas gordo.

15.8.09

Você me percebe, de onde você está?
Vezenquando acho que vejo você por partes, feito pedaços doces, que consigo tirar um depois do outro de minhas memórias, portanto é inevitável que em algumas ocasiões eu não lhe complete, como naquele quebra-cabeça do cavalo-branco que por anos esteve sobre a mesa da sala de jantar, e por todo esse tempo muitos tiveram que comer com os pratos sobre os joelhos, ou apoiados no balcão do corredor, respeitando o cavalo-branco com um olho vazado, cheirando a mogno e jacarandá.
Você me ouve, de onde você está?
Chamo por você de olhos fechados e vejo apenas suas mãos pintadas nas minhas retinas, suas mãos feitas de imaginação segurando meu rosto como aqueles talheres de servir a salada, o par de colher, uma em cada ponta, esquisitos talheres de servir salada, suas mãos na forma de concha, uma de cada lado do minha face, prontas para servir minha cabeça em seu prato. Nesse lugar onde você está, você percebe quando falo?
Você me parece compenetrada demais, seu olhar muito grave, sério em frente ao oceano no meio da tarde, ou quando você trata de escolher entre o chá e o café, seus olhos ora para um, ora para outro - quase um sofrimento, como se todas as escolhas fossem definitivas, até mesmo escolher entre o café ou o chá.
Existem cavalos onde você está? pode parecer um absurdo, mas o que importa o absurdo, afinal seria um assombro se um dia qualquer acordassemos e o cavalo amanhecesse completo.

8.8.09

"Eu quero ser possuída por você, pelo seu corpo, pela sua proteção, pelo seu sangue. Me ama! Eu quero que você me ame e fique eternamente me amando dentro de mim. Com sua carne e o seu amor. Eternamente, infinitamente dentro de mim, me envolvendo, me decifrando, me consumindo, me revelando..."

*

José Vicente.

7.8.09

Vou me eximir de desculpas pela ausência demorada desta vez. Tempo é mercadoria perecível. O meu foi proveitoso em certa medida. Muito estudo e pouco ócio. O fato é que cá estou.
*
Na caixinha de som: João e Maria, em nostalgia do tempo em que só ouvia Chico. E essa é a que a minha amiga invisível canta ainda hoje pra mim.
Leitura em andamento: Homem no Escuro, de Paul Auster, entre outras (e alguém lê uma coisa só ao mesmo tempo?). O narrador é um velh, que conta histórias a si mesmo enquanto espera a morte. O autor me parece querer superar a própria tese, situando a perspectiva da história nos olhos de um indivíduo que narra frustrações extraídas da própria vivência. Claro que é ainda um pensamento que exige aprimoramento. O livro é deveras interessante.
*
No cinema: Filme brasileiro, sempre. Os últimos: Nome próprio, com Leandra Leal e seu merecidíssimo Kikito; Minha vida não cabe num Opala, de onde se extraí certa interessância. Adianto uma frase impagável, dita pelo personagem do Peréio: Deus é grande, mas tá mole. Vou ver se volto a falar dos filmes com mais detalhes.
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Na internet: Ando tentando explorar a utilidade (?) do twitter. Tô quase aderindo.
Para o pai de Caio Y., livre de boa poética.
As almas quando soltas no infinito deixam rastros e se fazem entrelaçar facilmente. Ficam alvas em qualquer canto e pensam pertencer ao mundo. São frágeis, mas se fortalecem quando necessário.
Força que vezenquando vem de dentro, força que outras vezes vem de outra que cruza seu caminho, a força de identificação.
O bom que a liberdade da alma trás é a certeza de que muitas coisas existem fora do seu universo. É ver que muitas dessas coisas fazem as outras já antigas e supostamente essenciais parecerem ligeiramente bem menos relevantes.
A liberdade da alma te faz sentir entregue ao mundo, aos seus encantos, às suas surpresas, às suas dificuldades. Às vezes ela se quebra e você quer voltar pra dentro, rápido, dane-se todo o resto. E quando percebe que isso é apenas um ruidozinho na imensidão do mundo, que nem eco faz, você abre os olhos e vê que não faz diferença se apavorar. Porque, assim como a alma é livre, os acasos também o são. E então, a única coisa que tens a fazer é esperar a calmaria para desmisturar as liberdades. Mas isso sempre se repete, o desespero não é condicionável, muito menos controlável, ele também é livre.

O dia C.

E o que eu tenho a dizer?
Nada que meus olhos já não dissimulem. Nada que minha boca já não mastigue. Nada que meus gestos já não revelem.
E o não-dito sai derramado pelos sulcos de quem quer ouvir.
Que atire a primeira sílaba quem do coração nunca tropeçou frases.

Meus bocejos e eu

... páginas atrás tinhamos outro colorido.
Agora minha história é contada "in media res".