Tenho um dragão que mora comigo.
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Diferentemente do conto do Caio F., sim. Isso é bem verdade.
Tenho esse dragão que não é pequeno tampouco é grande, que cabe dentro da boca feito um fôlego e feito um gole de cerveja. Aprendi coisas sobre aquilo tudo, vocês devem saber, que dragões não dividem o seu espaço e blá blá blá, mas por mais torpe que eu seja, – uma das lições dizia que dragões não vivem com pessoas torpes – ou, por mais inconcebível que seja o fato de um dragão viver com alguém, é fato que.
Eu não estou ficando louca. Pelo menos ainda não.
Diferentemente da literatura, a grande eloquência não está na sensação de uma ideia parecer tão boa que é quase como se a ideia não fosse sua. Aqui, a sabedoria está em me manter paciente, quem sabe um pouco conformada, de que nunca estarei livre das ideias.
Eu não estou ficando louca. Ainda não.
Por um tempo tudo foi uma grande pausa. Eu não sabia que ele poderia existir, embora, hoje, pareça mais provável que no fundo eu já conhecesse a verdade sobre os dragões. Por um tempo tudouma pausa, apenas porque ele não havia chegado. Logo percebi os primeiros barulhos, mas preferi fingir que não o via disfarçado de verde ou de natureza morta, já que assim parecia mais simples. Optei pela simplicidade, e achei que essa escolha, ligeiramente, me livraria do incômodo que é enxergar tudo que não seja invisível.
Eu não estou ficando louca. Ainda.
Outra coisa que descobri, ninguém é capaz de compreender um dragão. Um dragão jamais mostra o que sente. Isso pode não parecer grande coisa, já que muitos seres, os reflexos por exemplo, também vivem a dizer sempre o oposto daquilo que estão sentindo. Mas nenhum reflexo, e também poucas espécies, tem o hábito de acordar a qualquer horário e dormir em hora alguma. A noite do dragão é o que ingleses chamam de "yourself".
Eu não estou louca.
Em pleno ao meio-dia, quanto na madrugada, terminei por acostumar com o calor. A temperatura eleva-se demais sempre que o dragão acorda. Porque além de bater a cauda três vezes, – e desde o dia que apareceu por aqui está sempre ao meu lado, logo, sacudo três vezes para esquerda e três vezes para direita – mas, além de bater a cauda, ainda cospe fogo. O famoso fogo pelas ventas. Aquele fogo que todos os dragões soltam, desde o tempo dos contos de fadas. Dragões são muito apegados às tradições. Essa lição parecia ser a mais importante, e dizia que essa forma de acordar poderia ser a maneira, um tanto desajeitada, de um dragão desejar que o dia seja doce. Já que o dia, depois que o dragão amanhece, faz a boca se encher de amargo.
Eu não estou.
Estou me confundindo, estou me dispersando.
Eu.
Eu e o dragão que mora comigo.