Eu já tava parando com as culpas quando me dei conta de que ainda preciso escrever. Escrever sei lá para o que e nem para quem, nunca fiz isso com muito objetivo. Fato é que a necessidade ainda reina, como algo fisiológico mesmo, embora eu tenha intencionalmente me mantido distante por vários e longos dias. A tentativa era a de não ceder de novo, “torne-se dono de sua própria mente”. Mas, chega de filosofia budista, psicanálise, danem-se Freud, Kant, Jung, vão todos pra puta que os pariu. Vai, um pouco de poesia de quinta ainda dá: formigamento nas mãos, parecem ter vida própria as danadas, finjo que são anjos, dou-lhes asas. Já estou arrependida, esta última parte nem cuspida foi, vomitei mesmo. E como o botão do foda-se parece emperrado de vez, vamos teclar até impertinências. Vai vendo, nem sei se sei que merda é essa aqui, mas eu devo fazer muito disso, vivo fazendo e causando coisas que nem imagino o que são. Devia ter um dicionário que mostrasse antes a definição e depois o verbete, assim eu saberia dos nomes dos efeitos procurando pela causa deles. Mas por que falei de impertinências mesmo? Ah, vai ver que ando me sentindo assim, meio imprópria para o mundo. Sem propósito, sabe como é? Quando eu tive um, nem me lembro mais. E vai dando certa preguiça de viver... Porque até para viver é necessário estar disposto. Numa hora dessas ainda me vem Drummond, merda, com a largura da minha condição, “Nascer para não viver/só para ocupar/estrito espaço numerado/ao sol e chuva...”. Caraaaaaaaleo! Tô me segurando pra não abrir guarda de vez. Não chorar, eu prometi. Ando muito pouca pra tanta raiva fervendo, cachoeiras de irritação. A vagabunda se encostou inteira na barra de ferro, horário de pico, “vê se se toca, isso aí foi feito pra segurar, não pra encostar. No espaço do teu corpo cabem dez mãos, se não mais”. A irritação é resposta imediata, previsível: eu tô triste. Triste. Como diria o Bandeira, “mas triste de não ter jeito”. Porque eu não sei esperar. Tô esperando sei lá o quê, talvez um acontecimento como o da vida de Louis Lane: um super-herói fudido fazendo a Terra voltar no tempo pra que ela vivesse de novo depois de sucumbir ao chão aberto sob seus pés.E eu tô cansada de fingir sorrisos. Antes até me divertia fingindo que estava me divertindo. Continuo de boca aberta, garganta exposta, sozinha no ninho, esperando que alguém venha e me alimente de uma comida que não sei mais onde encontrar. Minha cama anda tão pequena, mal posso me mexer, ando grande pra tão pouco. Então vem me buscar, eu chamo alguém como a um pai, vem pai, a festa já perdeu a graça. A graça que nunca teve. E eu não amo não, eu odeio tudo isso, eu odeio tanto e antes não odiava porque eu não sabia que existia uma saída. Existe? E cadê a porra da escada de emergência? Gastei tanto dinheiro, disse e ouvi tanta coisa, desisti de tanta coisa, consegui tanta coisa e o que sempre sobra é a pergunta: "E agora o quê?". Não importa quantos mundos minhas mãos agarrem, estou sempre à procura de uma mudança que nunca vem. Que não me venham falar em futuro, cansei também de viver pensando no que vem pela frente. Meu futuro já chegou e quer saber? Veio amargo, escuro e revoltado como o tal do Lúcifer, dependurado de cabeça pra baixo. E eu tô cansada dessa sensação: acordar e não ser colorido, é tudo a mesma bosta, sempre a mesma bosta. Cansei de acordar cedo, ver que o dia rende, chegar à noite cansada e insatisfeita. Cansei de acordar tarde, meio dia desperdiçado e a outra metade mais desperdiçada ainda. Que alguém me leve, porque os meus olhos já estão molhados, fervendo. Eu ando tão triste e sem saber mais como disfarçar.