O Sr. Caio Fernando Abreu perdoará. Afinal, de quando em quando acontecem...
...Elas, as Pequenas Epifanias.
(Fragmentos disso que chamamos, com aquele mesmo descuido, de "minha vida". Outros fragmentos, daquela "outra vida")
Ele disse que há alguns meses, Deus - ou isso que chamamos assim, tão descuidadamente, de Deus - enviou-me certo presente ambíguo: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, de amor. E você sabe a que me refiro.
Antes que pudesse me assustar e, depois do susto, hesitar entre ir ou não ir, querer ou não querer - eu já estava lá dentro. E estar dentro daquilo era bom. Não me entenda mal - não aconteceu qualquer intimidade dessas que você certamente imagina. Na verdade, não aconteceu quase nada.
Então que aqui, nesse dia, eu digo que, sem que eu me desse conta, porque essas coisas acontecem sem que a gente se dê a menor conta, um anjo, ou Deus - vai ver que sensibilizados pela proximidade da época com o Natal - e não dizem que todos ficam assim, um pouco dados a realizar os mais íntimos desejos nessa época - enviou-me o mais delicado presente: uma possibilidade de amor. Ou disso que chamamos, também com descuido e alguma pressa, porque queremos tanto não é mesmo, que nem mesmo poderíamos nos culpar, de amor. E nós - que de uma hora para outra chegamos perto o suficiente para saber das coisas que ninguém mais sabe -, nós sabemos a que me refiro.
Não adiantava mais eu me assustar e, depois do susto, angustiar entre ir ou não ir, querer ou não querer - inevitavelmente, já estava paralizada, sentadinha e boba no interior disso que faz o dia parecer mais dia e que faz a noite parecer mais doce: a terna possibilidade do amor. Porque estar dentro é bom. Não entenda mal - dá um certo conforto saber que no fundo não entenderás mal -, pois sei que apesar de não ter acontecido nenhuma dessas intimidades que as pessoas certamente vão se dispor a imaginar, e que julgam necessárias para que isso aconteça, é quase como um anteceder das coisas boas. Mesmo que até então, não tenha acontecido quase nada, uma brincadeira, um suspiro mais sincero, um beijo roubado e "quase nada".
Os fragmentos daquilo que, continuamos sendo tão descuidados, chamo de "minha vida". Os fragmentos daí, que chegam até aqui, dessa tua que é a "outra vida". Que um dia foram cruzadas, por puro descuido, por puro mistério, sem nenhuma pretensão, muito pelo contrário, entre a certeza - essa certeza tão burra que costumamos achar que possuímos, nós que da nossa vida só somos despossuidores - daqueles que não imaginam que surpresas estão nos esperando no próximo passo. Então, te digo que o que tenho feito é redescobrir uma magia - ela andava tão gasta e apagada que perdera até o nome -, sem nenhum susto. Porque é como se fizesse um certo sentido esses pedacinhos desconexos. Os mesmos que de uma hora para outra começaram a se juntar e como uma possibilidade desejam formar entre todos o mosaico mais bonito.