“Madrugada chegou
O sereno caiu
Meu amor, de cansaço
Caiu nos meus braços
Sorriu e dormiu [...]”
Caetano Veloso
De todas as vezes em que a tive nos (meus) braços, ficaram duas certezas: a de que o batom jamais dura muito tempo na boca e a de que as apartamento de terceiros são lugares irresistivelmente criados para o amor. Nossos dias especialmente simples, nossas noites minuciosamente preparadas... ah! E nossa tarde de janeiro, o vento atravessando a nuca e nossos abraços entrecortando os lençóis... De tudo foram feitos dias e noites, tardes e acasos maravilhosamente inesquecíveis.
Tu te sentavas ao sofá, majestosamente linda, unicamente educada e gentil. Eu sentava-me à tua frente, sem boas maneiras só para que pudesses admirar-te altiva, pois era (e é) assim que merecias ser vista. Nosso tempo era esse, regado a beijos e sorrisos. Seriam duas vidas transversais que, de tanto cruzarem-se, criaram união? Não sei, talvez buscassem apenas companhia boa, um gesto agradável ou um olhar de malícia – mãos que calavam. Éramos como desconhecidos, redescobrindo linhas em cada pedaço de pele e demarcando caminhos em tempos de volúpia.
Houve aquela tarde em que eu, detida pela preguiça e presa ao calor dos cobertores, fechei os olhos e sonhei contigo. Espero que não tenhas esquecido, pois foram teus pequeninos gestos que trilharam em mim por todo aquele dia, estendendo teus carinhos noite afora. Acordei com teus dedos suaves passeando-me o corpo, o rosto, os lábios. Tua molecagem encantando os poros de minha pele, tua meninice brincando de virar mulher em meus braços, tão ansiosos por...
Somos duas amalucadas de vida, penso. Pois se eram silenciosas as nossas partidas, eram também caladas, as nossas chegadas. Era o silêncio do meio-termo, quando olhares diriam muito mais que todas as declarações de amor guardadas. Os beijos escandalosos e despudorados às quatro da tarde no apartamento, as palavras suaves ao desperta-me, o cuidado que tinha ao fazer-te sorrir, minha pequena acuada, na cama em pose de feto. Deitava-me a teu lado, acarinhava teus cabelos e sabia que nada teria de ser bonito no dia que nascia porque dúvidas não são assim, tão bonitas. Mas eram elas que tornavam nossos caminhos a plenitude do não saber, transformando nosso amor em vias paralela sem porques.
Éramos apenas amor. É apenas amor. Amor, e mais nada.